Monday, June 25, 2012

A FORTALEZA ENCANTADA: da bela e da fera

Sobre o livro “Fortaleza Encantada”, pode-se dizer que ele está entranhado da paixão de uma potiguar, aqui chegada no primeiro ano de vida, cheia de amor por essa cidade, em que mora, até hoje.
Suas páginas estão repletas de suas passagens, pelos logradouros em que residiu, desde a meninice até os 13 anos, na Rua Dragão do Mar, quando se banhava nas águas cálidas da Praia de Iracema, em frente ao histórico bar Estoril, que mais tarde frequentaria nas noites de boemia e onde também coordenaria o projeto Poemas Violados.
Levada por seus pais, da Praia de Iracema para o Parque Araxá, em 1963, ainda olhou longe o mar, antevendo que um dia adotaria uma outra praia, a da Lagoinha, lindo refúgio, para o qual se dirige nos feriadões, a fim de ler, meditar, rezar, escrever, tomar sol e também umas cervejinhas.
Em 13 de abril de 2007, presenciei o lançamento da primeira edição deste livro, e, no final de semana subsequente, de uma só penada, fiz a sua prazerosa leitura, sob o impulso das suas crônicas, bem cuidadas, e escritas com desvelo filial, mas também movido pela própria temática, por ser eu um fortalezense de berço, que tanto aprecia a sua cidade, e que, igualmente, tanto sofre com os maus tratos a ela impingidos, por uma desídia administrativa, sem paralelo, que se abateu sobre a nossa urbe.
As páginas de “Fortaleza Encantada” guardam uma preciosidade literária só encontrada entre quem cultiva o hábito de rememorar, para escrever. É assim que Nilze se mostra como uma “memorialista”, das boas, para falar da cidade que a viu crescer, no sentido mais amplo da palavra.
Não por acaso ela descerra o véu que cobre os lugares por onde andou e põe a nu a sua indignação diante do pouco caso do poder público, para com o patrimônio histórico, artístico e cultural dessa Fortaleza de hoje, desencantada com a administração municipal, que sequer “conserta os buracos das ruas e avenidas”, por onde caminham as pessoas e transitam os carros, fazendo a festa das oficinas mecânicas para reparo de veículos avariados.
Se isso fosse pouco, o fato de os monumentos erguidos na cidade, “pichados”, sem contemplação, serve de “leit motiv”, para Nilze, como uma autêntica guerreira que é, dona de uma senhora visão crítica, botar a “boca no trombone”, melhor dizendo, falar e escrever, para todo mundo escutar e ler, que cidadania é mais do que possuir documentos, é saber respeitar os bens da comunidade. Isso Nilze faz, com a alma de artista, poeta, escritora e, sobretudo, defensora dos direitos do homem e da coletividade em que ela se insere. E o que é principal: “sem perder a ternura, jamais!”.
Em 13 de abril de 2011, quatro anos após o lançamento seminal da obra, vi-me guindado à condição de seu apresentador, sentindo-me feliz, primeiramente, por ter a mesma ganho o direito de reedição, fruto do recebimento do Prêmio Otacílio de Azevedo, patrocinado pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, o que fartamente concorrerá para disseminar o encanto saudoso de uma bela cidade que teima em subsistir; em segundo lugar, pela possibilidade de que exemplares do livro cheguem às mãos de alguns gestores públicos, e, caso lidos, possam despertar em ferinas mentes um tardio remorso por vilipendiar, com suas intervenções descabidas e omissão de ações, a tão decantada “Loura Desposada do Sol”.

 

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Friday, May 06, 2011

Uma data para não esquecer



Cinco de maio de 2011. Nesta data, o STF (Supremo Tribunal Federal) finalmente reconhece, por unanimidade, a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Trocando em miúdos, isso significa que a histórica decisão torna exequível para os homossexuais direitos como o reconhecimento da união estável, garantia de pensão alimentícia em caso de separação, adoção do sobrenome do parceiro, acompanhamento do parceiro servidor público transferido, somar renda para aprovar financiamentos ou alugar imóvel, assumir a guarda do filho do cônjuge ou adotá-lo, fazer declaração conjunta do Imposto de Renda, entre outros.

O artigo 1.723 do Código Civil, que estabelece a união estável heterossexual como entidade familiar, discriminava as pessoas do mesmo sexo que se uniam, formando um lar. Isso acirrava a intolerância dos homofóbicos de plantão, quando destilam sua violência contra as pessoas que amam seus iguais, através de injúrias verbais, piadas de mau gosto, bullying, agressões e assassinatos.

"Dignidade humana é a noção de que todos, sem exceção, têm direito a uma igual consideração", assim se pronunciou o ministro Joaquim Barbosa, ao declarar seu voto. Igualmente decisiva foi a fala da ministra Cármen Lúcia: "A discriminação é repudiada no sistema constitucional vigente, portanto, o casal gay também forma uma entidade familiar, com direitos e deveres reconhecidos pela legislação brasileira”.

Já era esperado que os religiosos, com poucas exceções, se pronunciassem contra esta decisão. Nas questões da homossexualidade, ninguém se coloca no lugar do outro nem respeita o próximo como a si mesmo, como falou Jesus. Isso faz com que se torne extremamente difícil a auto aceitação da condição homossexual e menos ainda a aceitação da sociedade em geral.

Sempre tive a esperança de viver o suficiente para assistir o dia em que os seres humanos seriam respeitados e tratados de forma igualitária, não importando o sexo, a orientação sexual, raça ou etnia. A atitude do STF me deixou feliz, mesmo sabendo que a lei anda e os costumes arraigados se arrastam aos seus pés. Mas já é meio caminho andado. Um dia chegaremos lá. Como disse Chico Xavier, "Não podemos voltar atrás e fazer um novo começo, mas podemos começar agora para fazer um novo final"



Nilze Costa e Silva

Friday, January 14, 2011

Paris, século XIX


No jardim, Camille brinca de esculpir estátuas de argila.
Em suas mãos a arte toma a forma delicada de um pássaro que parte...

Camille cresce entre estranhas e selvagens criaturas.
Entre elas, a escultura das mouras:
três irmãs que fiavam o destino dos deuses e da humanidade.

Ora fadas, ora bruxas - não tinham idade
como Camille Claudel

Tão difícil ser artista e ser mulher
e mesmo assim superar o mestre ...

Escândalo amar o mestre!
Escândalo ser artista.

Camille se agarra aos próprios dedos
pra não ter a alma desmoronada por um ídolo de barro.

Formas fálicas a perseguem
Mascaradas, moldadas em seu passado escandaloso e feiticeiro
Foge da própria escultura voando do alto de uma torre...

Queria tanto escapar das estátuas de Rodin
Elas batem à sua porta
para que lhes dê a delicadeza de suas formas eternas...

No delírio, Camille corre, insana, com sua vassoura vermelha
a caçar anjos e moldar suas esculturas

A sociedade de Paris
lança-a na fogueira dos interditos, alucinados, malditos

- Camille Claudel, a artista louca, amante de Rodin...

Consciente da própria lucidez
Camille confunde o seu lamento
Com o ranger da cadeira de balanço:

“sou como a Pele de Asno ou ou Cinderela
condenada a cuidar da lareira
sem esperança de ver chegar a fada
ou o Príncipe encantado
que deve mudar minha roupa de pele e cinzas
em vestidos cor do tempo”.

Nilze Costa e Silva

Monday, November 01, 2010

Nós chegamos lá



Quando em 1791 Olympe de Gouges, revolucionária francesa, lançou o manifesto “Declaração dos Direitos da Mulher”, denunciando a Declaração dos Direitos do Homem (restritos ao sexo masculino), pagou caro por essa ousadia. Foi condenada sob o veredito de querer “exercer funções masculinas e esquecer as virtudes próprias do seu sexo”. Morreu guilhotinada. Era uma defensora da democracia e dos direitos das mulheres.

Mais de dois séculos se passaram. Entre tantas mulheres heroínas e lutadoras que tombaram insubmissas ao poder machista, surge uma nova Olympe de Gouges, que resistiu à decapitação moral que tentou arrastar seu nome ao lamaçal das injúrias. Quantas vezes ameaçada, chamada de assassina, matadora de criancinhas, “dilmão”, mentirosa, terrorista e impostora, Dilma ergueu a cabeça e enfrentou os inimigos com a audácia de uma guerreira! Quantas vezes cansada e com olheiras, ela insistia: estou preparada para governar o Brasil.

Tentaram destruir a imagem de Dilma de forma machista e preconceituosa, não considerando sua trajetória de luta em defesa da democracia nos períodos mais árduos da ditadura militar que assolou o país na década de 60 e começo de 70. Na época, ainda jovem, foi torturada por longo tempo, mantendo, no entanto, suas convicções de liberdade. Candidata a Presidente da República em 2010, teve entre seus perseguidores alguns dos maiores admiradores do golpe militar de 64, que ceifou parte das liberdades individuais do povo brasileiro. Seus opositores usaram até o nome de Deus para armar um clima de guerra suja, durante todo o período eleitoral. E ainda se diziam do bem. Mas essa mulher, chamada Dilma Rousseff, que esteve à beira da decapitação moral, não se deixou abater, tendo ao seu lado aquele que também venceu o medo e o preconceito.

Esse é mais um momento histórico de nossa Pátria. Em 2004 um operário é eleito Presidente da República. Em 2010 o Brasil tem o orgulho de poder ver, na força da mulher, a continuidade da transformação social que se instalou no País.

Sinto-me feliz, como mulher e feminista por ter sido protagonista desse tempo, além de coadjuvante de um processo que entrará para os anais da história do Brasil. Orgulho-me de poder assistir, na coragem da nossa primeira presidenta eleita, a continuidade de mudança para o meu país.

Wednesday, August 25, 2010

Ary Sherlock, eterno ídolo


Se ele não fosse ator o que seria? Não dá para imaginar. As páginas do Vida & Arte (O Povo 25/08) me conduziram rapidamente ao passado. Rua Dragão do Mar e a casa misteriosa da D. Santa Porto, enorme, que terminava na R. José Avelino. Um dia ou dois na semana a meninada aguardava os artistas que viriam para o ensaio teatral. Era o pessoal da TV Ceará, Canal 2. Começo da década de 60. Na rua, só uma televisão. Era lá onde os vizinhos se acotovelavam para ver as novelas muitas vezes adaptadas de grandes obras da Literatura, como Oliver Twist (Charles Dickens).
Quando os atores chegavam a garotada, pré-adolescente, se acotovelava. Eu roía as unhas de tanta ansiedade. À frente, meu grande ídolo: Ary Sherlock. Ele chegava barulhento e sorridente, nós batíamos palmas e ele acenava. Junto, Emiliano Queiroz, Cleide Holanda, Karla Peixoto. Mas eu só via o Ary, bonito, longa e negra cabeleira, olhos azuis, gestos amáveis. Eu não tinha coragem de me aproximar, ficava só admirando, de longe, aquele maravilhoso ator de quem eu assistia todas as novelas.

Vinte anos depois, encontrei-o num evento, cara a cara, olho no olho. Avancei e lhe falei da minha paixão. Ele lembrou da rua, dos ensaios e ficou perplexo quando eu cantei a música da órfã, interpretada por Cleide Holanda: “Quando o tempo passa/deixa a fumaça/da recordação/quando o amor termina/deixa uma mágoa no meu coração”. Cantei a música inteira. Eu estava feliz por finalmente encontrar o meu ídolo.
Repeti a pergunta de todos: por que não fora embora? Estaria brilhando nas redes nacionais de TV. Sugeri que escrevesse uma autobiografia, contando sua trajetória artística. Ousada, ainda pedi que fizesse a apresentação de um dos meus livros, o que fez com muita gentileza. Ficamos amigos até hoje, quando soube que este menino talentoso, que não sabe fazer outra coisa senão teatro, completou 80 anos.
Parabéns meu grande ator, morador eterno das minhas recordações de infância e juventude.

Tuesday, June 22, 2010

NA CALADA DA NOITE

A humanidade está vivendo um momento peculiar. Ao mesmo tempo em que presenciamos atos de injustiça social, corrupção e violência generalizada, percebemos a manifestação de um novo estilo de vida, com dimensões mais espiritualizadas. Criam-se movimentos em busca da paz e da solidariedade cristã, novos direitos de liberdade e leis para mantê-los. Sem dúvida o ser humano está ressignificando seus valores e princípios, pensando no outro quase como em si mesmo.Temos um exemplo disso quando ocorrem grandes calamidades naturais. Algumas pessoas se emocionam assistindo ao sofrimento de outras e logo se criam campanhas de solidariedade, colhendo doações para os sofredores. As boas ações espalham-se rapidamente, disseminado a epidemia do bem.

Sabemos que fora das calamidades existem milhares de pessoas anônimas e tantas vezes solitárias ajudando crianças, adolescentes, deficientes e idosos carentes. Essas ações raramente aparecem nos noticiários de TV e jornais. Recentemente a TV Globo lançou o programa “Brasileiros”, que apresenta semanalmente a história de alguém que, por meio de suas atitudes, mudou a vida de pessoas necessitadas. O primeiro episódio anunciou a história de Flávio Sampaio, filho de um pescador na pequena cidade de Paracuru, no Ceará, que desde criança optou pela carreira de bailarino. Com muita dificuldade, pela falta de apoio do pai, perseguiu seu sonho, estudou e venceu. Chegou ao grupo de balé do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Anos depois, já aposentado, Flávio voltou à sua cidade e ficou preocupado com a quantidade de jovens ociosos, expostos ao apelo das drogas. Então resolveu fundar uma escola de dança que atende 200 jovens, filhos de lavradores e pescadores, ação que transformou a vida da comunidade.

Finalmente uma história de bondade na TV. Mas por que na calada da noite? Dez minutos para meia noite começa o programa, que pouca gente vê. Será porque noticia boa não dá IBOP?

Monday, April 12, 2010

Fortaleza, não me deixes

Dia 13 de abril, Fortaleza completa 284 anos. Pense numa cidade pai d’égua! Em bom cearês, posso dizer que sou “arriada os 4 pneus“ por ela, que me comove e me passa a impressão de ser a mais bela do Planeta. Não só pelas praias, pela cultura, pelo nível dos artistas que tem. É uma beleza que vem das pessoas que a habitam. Com tantos problemas (violência, pobreza, prostituição), ela consegue ser amorosa e alegre, o tempo todo.

Forasteira que sou posso dizer que Fortaleza marcou minha existência neste plano, ensinando-me a ser solidária, a chorar com as lembranças de outrora, mas principalmente a rir. Rir muito. Pois o povo de Fortaleza faz piada de tudo. O humor é uma característica tão marcante que está escrito nos muros, no jeito de ser, nos ditos e na boca dos trabalhadores que recebem os turistas.

Quer passar nas três faculdades (UFC, UECE E UNIFOR)? É só tomar o ônibus do Paranjana! Certa vez uma inscrição num muro me fez dar gargalhadas. Um idealista e jovem candidato a vereador, fez esta propaganda poética num muro: “Sonhos, acredite neles”. Achei bonita aquela frase. Mas dois dias depois um anônimo já pichava embaixo “Acorda, pô!” Um dia alguém me lançou esse questionamento: porque a Ponte Metálica é de madeira? De um motorista de táxi ouvi: “Tem gente que compra no Beco da Poeira e diz que comprou no Iguatemi”. Saio rindo à toa ao saber que cearense pede desconto até na compra de um picolé e que é autor de uma das maiores invenções: o dindim de coco queimado; Pode estar ruim como for, mas o cearense sempre faz a festa. Tempo ruim em cearês é quando não chove. Qual o povo que guarda a lembrança de um bode chamado Ioiô, boêmio que perambulava pela Praça do Ferreira junto aos escritores, em começos do século passado? E quem daria um museu a esse bode?

Até na Bienal do Livro de Fortaleza se faz piada. A organização do evento resolveu este ano não dar cachê aos artistas da terra, só aos de fora. Mas fez o “favor” de inaugurar para os poetas o espaço “Não Me Deixes”, em homenagem a nossa grande escritora Rachel de Queiroz, pois ela morou numa fazenda com este nome. Os poetas, mesmo desestimulados, trataram de batizar o espaço: “Não me deixes sem cachê”, pois cearense não fica encabulado... ele fica todo errado!